Simbologia da Borboleta em
Deni Vilela
Deni
Vilela tematiza a borboleta desde o início de sua carreira na arte plástica.
Observando os títulos de suas telas, mesmo as mais singelas, não há como
descartar uma intenção “por trás”, na linha do simbólico. Segundo Cirlot, a
borboleta, para os antigos, era emblema da alma e da atração inconsciente para
o luminoso. Dos vários sentidos que ela pode assumir, aquele estudioso dos
símbolos aponta ainda o de vida, para os gnósticos; de renascimento, para os
psicanalistas; e o sentido secundário de alegria e felicidade conjugal, para os
chineses. O que ele não disse é que ela se pode converter em um belo símbolo do
feminino.
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"VIDA III" 50X60 |
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"VIDA II"50X60 |
"VIDA" 70X70
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"FAMÍLIA" |
"ALMA" 100X120
Podemos
surpreender, sem esforço, alguns desses sentidos na arte de Deni vilela. “Coincidência
ou não, ela possui telas denominadas “Vida”, “Alma”, Ternura”, que traz o
subtítulo ”Família”. Mas, o primeiro daqueles sentidos (emblema da alma e da
atração inconsciente para o luminoso), salta aos olhos de quem conhece de perto esta artista
plástica, toda alma e sensibilidade, e o seu ético modelo de conviver, seu
empenho de crescimento espiritual. Não será por acaso que a sua obra, batizada
com o sugestivo nome de “Fuga para o Azul”, insinua este vôo ascensional rumo
ao luminoso, seja ele um ser superior, ou apenas o conhecimento, ou ainda o
autoconhecimento. Nesta, a borboleta aparece mais transfigurada, fugindo ao
estilo mimético, às vezes presente. A artista capta não a forma, mas quase tão
somente a dinâmica do vôo: as asas desfazendo-se em puro movimento, descolando
num vôo ascendente, quase de raspão sobre um muro, possível figuração dos
obstáculos da vida, esta do cotidiano e mesmo, quem sabe, a de artista. O
notável é que esta convulsão de amarelo dinâmico, com alguma esgarçadura que
deixa entrever o azul distante, irrompe-se em cabeça e antena de borboleta, de
fato numa desesperada fuga para o azul, que se abre à frente do ser simbólico,
direcionando o olho estético do apreciador de arte para este ponto.
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“Processo” | |
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"BORBOLETA SANGRANDO"70X90 |
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"ASCENSÃO"120X80 |
Outro
sentido que me parece sugerido na arte de Deni Vilela é aquele psicanalítico de
“renascimento”, através da individuação. A sua tela denominada “Processo” e não
“metamorfose” ( não nos esqueçamos do quanto nos sugere aquele título), onde se
encontram os três estágios da vida de uma borboleta ( larva, crisálida e
imago), poderia ser um mero exercício mimético, se a artista não tivesse
concebido a outra denominada “ Borboleta Sangrando”. Nesta, a leveza de uma
borboleta, plasmada num azul quase diáfano em aquarela, decola, num vôo também
ascendente, de um campo visual minado de sangue. Este poderia sugerir apenas a
violência doméstica, idéia que nos parece aí subjacente, mas, associada à tela
anterior, tudo nos lembra o processo psicanalítico de crescimento ou de
individuação do ser, de acordo com a teoria psicanalítica de Jung. Do lado
direito uma janela fechada, mesmo de vidro, sugere a antiga prisão da
crisálida. Mas, do lado de fora, no seu esplendor e dor, a imago. O
renascimento é talvez um processo muito mais doloroso do que o do nascimento,
porque temos de realizar o parto de nós mesmos. E muita dor, simbolicamente
muito sangue, deverá rolar durante o processo, até a sua última fase: a partir
de então, não mais será possível o consolo do auto-engano. A fase da imago
ainda aparece sugerida em outros quadros, como é o caso daquele denominado
“ascensão”.
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"FETO" 90X130 |
Lembrando talvez que o “renascimento” é um processo solitário e
individual, e que está a cargo de cada indivíduo ( mas não necessariamente de
todos) promover e completar esse processo, que resulta no autoconhecimento, há
uma tela denominada “Feto”, bastante simbólica . Com o corpo e a cabeça sem
antenas, ambos visíveis, apesar da ausência do órgão sensorial uma borboleta
está ali pousada, sugerindo a fase da imago. A artista nega a fase adulta,
imobilizando as asas dentro de um casulo transparente ou de um bloco de gelo. A
borboleta assim figurada lembra a mulher ou, se quiser, o ser humano em sua
idade adulta, sem o necessário crescimento psicológico: tem apenas a idade
cronológica de um adulto; na realidade continua um “feto” ou uma crisálida, de
onde não saiu ainda, ou talvez de onde nunca sairá.
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"RENASCIMENTO" 100X100 |
A
borboleta como símbolo do renascer, aparece mais vezes na obra de Deni Vilela. Ela
reitera, em outros quadros, a imagem da crisálida e da imago, ambas a curta
distância, eliminando a fase larval que,
parece sugerir, já foi ultrapassada. Um deles é o intitulado exatamente
“ Renascimento”, que apresenta uma falsa simplicidade, mas é um quadro muito
bem concebido. Recém-saída do pesado casulo, que aparece em primeiro plano
pousado numa janela, uma borboleta_leve balão_ flutua logo acima. Mas se observarmos com mais
atenção, o que é uma leve borboleta converte-se numa nesga do azul, possível de
ser vista da janela de um apartamento de um prédio, que deixa entrever paredões
amarelos. E, coincidentemente, a janela foi o primeiro e talvez único espaço
aberto delegado à mulher no curso de sua dura história, até as primeiras
décadas do século XX, espaço por meio do qual ela pôde ver o horizonte e
decolar em seus devaneios e sonhos de mais espaço.
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“Visionários”90X120 | | |
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“Visionários XIII” 70X120 | |
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“Visionários XVI"90X130 |
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“Visionários XIV" 70X120 |
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"VISIONÁRIO XVIII" 90X140 |
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"VISIONÁRIO XVII"90X110 |
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"VISIONÁRIO XVIII" 90X140
Chamou-nos atenção, na arte de
Deni, a sua série de detalhes denominados “Visionários”. Neles, sempre
comparecem um ou dois círculos, possíveis pintas de asas das borboletas, que
sugerem olhos que espreitam. Podem ser os do espectador, os da artista ou
figurar ainda os olhos da mulher com sua capacidade visionária, premonitória,
reconhecida sobretudo pelos povos pré- cristãos. Neste sentido, há um quadro
independente, batizado com o título de “Premonição”, de fortíssimo apelo
visual. Ele é uma espécie de close de um de seus detalhes. O que se vê é um
misto de coruja (ave que enxerga no escuro), ou animal alienígena, ou ainda uma
possível máscara humana, de onde saltam dois devassadores olhos que magnetizam
e causam impacto ao espectador.
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"NAMORO" 50X80 |
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"AMOR" 100X140 | | | |
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"EROS" 100X140 |
É curioso que a oposição, o
conflito, quase sempre inevitável no relacionamento amoroso, aparece sugerida
na tela chamada “Namoro”, com o subtítulo de “Relacionamento”.Duas borboletas
comunicam-se por meio de suas antenas. Todavia encontram-se confinadas, cada
uma no seu universo particular, separadas
por uma barra, que fica exatamente
no ponto ao mesmo tempo de união e separação das duas telas, que se
encaixam, conotando, quem sabe, a dificuldade ou a impossibilidade de uma
relação perfeita. As telas denominadas “Amor” e “Eros”, fragrantes de acasalamentos,
reforçam essa idéia acima, pelo modo como as borboletas realizam a cópula:
dando-se de costas uma para outra. Um fato natural pode, às vezes, assumir
conotação simbólica, quando inserido num determinado contexto.
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"ASA" 90X120 |
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"DETALHE" |
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"CERRADO" |
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"PÉTALAS QUE VOAM" |
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"ESPLENDOR ALADO" |
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"LUPA" 70X90 |
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"BARÔMETRO ECOLÓGICO" |
Numa técnica mista, que incorpora a colagem, massa acrílica, serragem,
pó de granito e também a tinta acrílica, tudo entremeado à leveza da aquarela,
que realiza o melhor das borboletas, Deni esculpe, enquanto pinta. As texturas
e o simbolismo que emergem das telas revelam, mais do que o evidente fascínio
pelas borboletas, as suas vivências e a captação sensível do mundo que a cerca.
Suas borboletas não estão de modo ostensivo a serviço de uma causa ecológica (embora
registre um caso nesta linha), mas estão, isto sim, de modo sub-reptício
impregnadas de uma simbologia que torna as suas telas inteligíveis e
inteligentes. Partindo de representações pesadas, Deni alcança a leveza ideal
das borboletas e da arte em “Esplendor Alado”,“ Pétalas que voam” e “Borboleta
Sangrando”, para citar alguns casos. Cremos que, no presente estágio, atingiu o
máximo de sua independência artística, ou deliberada fuga à mimese, ao conceber
sua “Borboleta Surreal”. Esta só existe
mesmo no universo alado da artista.
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"BORBOLETA SURREAL" 100X130 |
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"BORBOLETA SURREAL II" 120X120 |
Deni vilela é mais uma mulher que se encontra por meio da arte. É mais
uma mulher que sai do anonimato e assume (ou assina) o seu próprio nome,
abrindo as comportas deste supremo poder que o ser humano pode mobilizar: o da
criação artística.
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"CARAVELAS DO BRASIL" -100x120 - |
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Darcy França Denófrio
Mestre em Teoria da Literatura. Professora (aposentada)da UFG.
Poetisa, ensaísta e critica literária .